Professor Alexandre Salomão

 

Entrevista com o Professor Alexandre Salomão
(Entrevista realizada por correio electrónico)
 
1)    Qual é a sua concepção, relativamente ao papel que o professor deve adquirir, como promotor de actividade física e à sua incumbência social  subjacente? E de que forma este papel deve ser enfatizado pelos agentes políticos?
2)    Como comenta a seguinte afirmação do Professor António Nóvoa: “ (…) a necessidade de construir um outro “modelo de Escola”. Continuamos fechados num modelo de Escola inventado no final do século XIX e que já não serve para enfrentar os desafios do mundo contemporâneo: escolas voltadas para dentro dos quatro muros, currículos rígidos, professores fechados no interior das salas de aula, horários escolares desajustados, organização tradicional das turmas e dos ciclos de ensino, etc.”?

R - O papel político do professor deve ser o de qualquer cidadão que se sinta agredido em seus direitos sociais. Se indignar, lutar e educar contra a exploração pelo trabalho e acumulação material, económica, política e simbólica dos bens comuns produzido em sociedade. Velha tese marxista que resiste, sobrevive junto aos modus operandi religiosos, étnicos e etários de resistência por todo mundo. Inclusive na Europa. Opor-se bravamente aos usurários, lideres da escravidão consentida e/ou nem tanto, moderna que todos os dias empurra milhões de crianças para as ruas, pilha riquezas e consciências e de quebra suja e destrói o lugar em que todos moram. O próprio planeta Terra. Socialismo ou barbárie bradava Marx. Mas o que bradar quando a barbárie já esta instaurada. 106.000 Iraquianos mortos. Em minha cidade morrem na preferia e centro uma media de 10 por semana. De resto em quais condições esse ‘promotor de actividades físicas’ se encontra em termos de formação, condições objectivas e subjectivas para o exercício de tal tarefa.

Num contexto como o anteriormente supra-citado deverá se deparar com desafios complexos. Talvez um deles fosse saber como em princípio defender a “actvidade física” orientada por um profissional da área como um valor positivo em si? Questionar-se e definir parâmetros para auto-critica são exercícios difíceis e muitas vezes cruéis.

Note que o ensino dos desportos não pode ser operado fora de um determinado contexto objectivo, de condições materiais estabelecidas e de acesso, dentro também de um conjunto de valores hegemónicos, que no caso da sociedade capitalista, incluem maximização da produção, dos lucros com minimização de custos em matérias-primas, equipamentos, pessoal, salários e impostos. Em que a vida tornado negócio, não encontra nenhum constrangimento em se ganhar dinheiro com a morte, a tortura, o sofrimento e a opressão de milhões e milhões de seres humanos. Pensar as olimpíadas da china implica pensar nas condições de vida dos trabalhadores, operários, campesinos do mundo todo? Como vão suas mulheres, crianças, jovens, idosos e portadores de necessidades especiais? Que ‘desportos’ praticam para sobreviver?

 E o ensino da Educação Física neste contexto. Como de resto os jogos, danças, lutas, desportos e ginástica dialogam em seus conteúdos técnicos, pedagógicos, com as diferentes dimensões e contextos que esse fenómeno global, chamado Educação Física e Desporto sugere?

Se a aprendizagem dos desportos para sua prática profissional o no lazer cumprem um papel relevante na sociedade. Se não se trata de um assunto menor mais: mas o papel que coube ao profissional de Educação Física em muito se reduziu ao papel técnico, de reprodutor de rotinas, do ‘fiscalizador de resultados atléticos’ quando o fenómeno desportivo aborda tantos e diferentes campos e é envolvido e múltiplas questões, determinações, que fica a pergunta do por que desses profissionais se eximirem de travar a direcção hegemónica de área tão importante da sociedade? Quem são os dirigentes políticos que se servem dos desportos para se promoverem? Raro um professor – ainda bem? Via de regra, ex-atletas. Os Técnicos práticos.

Enfim o que surge como horizonte práxiológico para aqueles que permanecem procurando uma saída pedagógica para o ensino da Educação Física e dos Desportos na escola, para aqueles que ainda não foram tornados carcereiros de crianças e jovens nas escolas e de suas próprias neuroses? De que modo conformam e contrapõem um discurso ideológico conformista e ao mesmo tempo competitivo e lucrativo? Defendemos o seguinte roteiro:  

  1. Admitir a complexidade que envolve os fenómenos ligados às actividades físicas, em suas diferentes modalidades?
  2. Que o contexto no qual se realiza, ensina, ocorre ou não, os Desportos e as actividades físicas, estão inseridos em contextos globais e específicos. Separar estas duas instâncias ajuda para o entendimento, mas perdem relevância quando não apresentados numa unidade dialéctica aquando da análise da totalidade  dos factores desportivos e das actividades físicas.
  3. Exemplo: no ensino do basquetebol ao se ensinar a fazer a cesta, de preferência já com enterradas, já perceber que a dimensão técnica corresponde a um modo de existência no e pelo trabalho, apresentados no ensino e execução dos gestos desportivos. Diz-se respeito portanto ao mundo do trabalho, da profissão, das práticas como lazer, é possível que se compreenda e se avance em outras diferentes dimensões.
  4. No campo das disciplinas académica seriam praticamente todas, pois quais seriam as que não dizem respeito ao corpo em sociedade? A questão é a articulação sobre elas e como são suas expressões problemáticas dentro do próprio conteúdo? Das reflexividade obtidas para uma interpretação como conhecimentos sobre desportos e conhecimento para vida, em qual escala de valores pode ser considerados.
  5. A intervenção metodológica experimental e de campo são indissociáveis. Apelar para o fato que o movimento corporal humano expressa significados que devem ser descodificados e socializados como bens culturais, historicamente construídos, sociopoliticamente situados. Com contradições colectivas e individuais na realização dos gestos. Com indicações afectivas muitas vezes incompreensíveis diante de apelos à razão, etc.
  6. O relato etnográfico para registo e avaliação do que se esta sendo feito aliado ao registo e divulgações documentais são importantes instrumentos sobre a quando andaria os diálogos entre a teoria e a prática. Enfim uma avaliação sem medos;
  7. Questões ligadas a etnia, raça, faixa etária, religião, nos desportos, também devem povoar os conhecimentos sobre os temas desportivos, em seus contextos técnicos, tácticos, gestuais, de regras, do mesmo modo que o estudo das implicações económicas, políticas, ideológicas, cientificas, de senso – comum, enfim culturais, incidem e se transformam historicamente no processo desportivo e das actividades físicas?
  8. Entender o estudo dos desportos não como uma panaceia mimetizante de toda a realidade social, individual, afectiva, familiar, profissional, lúdica, de todos os sujeitos, mas como um meio que oferece importantes campos analíticos teóricos e práticos que colaboram no entendimento das diversas relações ocorridas em sociedade. As contribuições dos estudos do lazer são optimistas, mas ainda completamente orientados pela lógica capitalista que não se constrange de colocar maganos e remediados junto a explorados, desocupados e miseráveis de toda ordem.

 

3)    Como vê a realidade escolar, vivenciada no Brasil, actualmente, comparativamente ao passado?

R - Em relação ao Brasil vivemos as vicissitudes de ser um país de abundâncias que promove uma das maiores concentrações de renda do planeta e abriga índices de violência, pobreza e miséria que deveria ser motivo para se suspender as festas de Carnaval. Enquanto tanta iniquidade prevalecer não há o que ser comemorado. A educação física garantida por lei nos ensinos fundamental e médio, sofre dos mesmos desmazelos das demais disciplinas. Do mesmo modo que não se aprende português, inglês, geografia, matemática. Também quase nada é feito em termos do ensino da Educação Física como conhecimento técnico, filosófico, sociológico e antropológico. O ex. dos jogos escolares são expressões significativa da desigualdade prevalente na área, nos quais as instituições públicas na maioria dos casos são os convidados da ‘ festa desportiva’ a serem retirados antes, por suas derrotas, humilhantes no mais das vezes. Uma festa desportiva organizado pela e para as elites estudantis económicas e com acesso ao treino de algum nível. Eventos em que os atletas das camadas sociais mais baixas servem de escada nos massacres proporcionados nos confrontos com as escolas particulares. Nossos resultados olímpicos são pífios, considerando o quadro de medalhas, junto ao contingente minúsculo de praticantes de actividades físicas no universo de 200.000.000 de habitantes! Comparações com Cuba nos humilham. No futebol é um exportador de atletas, escravos modernos que vivem na mão de empresários. Sabemos jogar por que meio que já nascemos jogando, gostamos de driblar e marcar golos. Não exportamos técnicos. Raros. Monoglotas e empíricos. São mais administradores de egos e contratos de transferência de jogadores do que qualquer outra coisa. Corrupção, negociação de atletas, resultados e adulteração de borderôs são nossa especialidade. Por isso não se criam em outros lugares. Felipão foi uma excepção. Mas o que dizer de um país como Portugal que não tem 23 atletas para compor a selecção nacional de futebol para uma copa? Oferece facilidades? A face corrupta do futebol já está registada em livro. Cf. o livro CPI da Nike. Prepare-se para reconsiderar a ideia de crimes no e pelo desporto. No campo do domínio consentido se leva a impressão de uma diferente direcção moral no campo da política, mas sem nenhuma alteração na estruturação do sistema produtivo e consequente distribuição de riqueza. Daí os desportos e a Educação Física serem tornado assunto de segunda categoria na mão de seus prósperos profissionais, ainda que os grandes eventos desportivos como copa do mundo, olimpíadas, campeonato nacional de futebol serem o moto de jubilo aonde só se vê despreparo e desmazelos éticos, profissionais e civis. Denuncia e o anúncio, devem caminhar juntos. Acções pedagógicas e políticas também.

 


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